Outro dia, aula encerrada, um aluno foi à minha mesa e disse: "Professora, você é uma mulher de serventia!". Contextualizando melhor: meu aluno é um jovem africano, que, olhar atento, observou que, enquanto eu aplicava prova, acalmava minhas mãozinhas nervosas bordando letrinhas em um pedaço de pano. Eu: "Como?". Ele: "É, a senhora trabalha fora, mas sabe bordar... isso é 'mulher de serventia'. As mulheres de hoje não sabem fazer essas coisas". Eu, tentando disfarçar o embaraço, disse: "Ah, tá. Mas aqui no Brasil a gente diz que a moça é 'prendada'". Mudei de assunto na hora, mas, inevitavelmente, me lembrei daquela discussão que tivemos aqui, há alguns posts atrás, sobre a conotação da palavra "Amélia". Seríamos amélias modernas, ou a palavra ainda carregaria um ranço pejorativo, tendo de ser substituída por uma outra menos estigmatizada? Eu, por exemplo, bordo e costuro, mas quem se encarrega do menu e das refeições dos fins de semana aqui em casa, por exemplo, é meu marido. E detalhe: apesar de ter mãe e avó (in memoriam) super-hiper-mega crafty, nunca tinha costurado nada até abril do ano passado, quando veio parar aqui em casa uma Toyota made in China, daquelas bem velhinhas. A máquina deu pau, mas, eu, viciada que estava, mandei vir de Sumpaulo uma Singer novinha, meu bebezinho lindo. E bordar, comecei a praticar tem mais ou menos três meses, sob a orientação de uma professora mais que especial: a 'tia' Ana. Portanto, não me acho amélia, se é que o termo continua valendo.
http://recoveringiowan.com
Brasília, 19 de junho de 2010. Manhã ensolarada de inverno brasiliense. Cinco meninas se juntam numa sala para... bordar! Levei a Helô (e uma amiguinha, por tabela), oito anos, para a sua primeira aulinha de bordado. Por quê? Por que quero que ela seja uma "mulher de serventia"? Não sei, talvez... mas, principalmente, porque bordar é muito bom, e ver uma imagem surgir num pedacinho de pano, das nossas próprias mãos, é muito gostoso! Se ela vai seguir bordando? Não sei, mas quero que ela conheça, na medida do possível, todas as suas potencialidades, pra poder escolher o que vai ser melhor pra ela.
Foto: Ana Vergara
Mudando um pouquinho de assunto, mas só um pouquinho: já leram o livro em quadrinhos Bordados, da iraniana (impagável) Marjane Satrapi? Abaixo, transcrevo parte do texto da contracapa:
O "bordado" é o equivalente iraniano do "tricô" brasileiro. Mas, além dos mexericos, a expressão tem também uma acepção muito particular: a cirurgia de reconstituição do hímen, um procedimento adotado pelas mulheres que precisam negociar entre as exigências do próprio desejo e o moralismo que impera no país dos aiatolás (...) Reunidas em torno do samovar, o tradicional bule de chá iraniano, as personagens de Marjane desfiam suas experiências amorosas e sexuais".
Me digam se não deu vontade de sair correndo pra comprar o livro?
(por Helena)
16 comentários:
Adorei seu post...acho que sou também uma mulher de "serventia" e acho muiiiiito bom!!
BJ
Helena, minha avó era Amélia, no nome e na "serventia". Costureira das boas, nunca expressou desejo de me ver também "Amélia". Mas o mundo dá voltas... hehe!
bj, Ana
Oi, Jaque, obrigada pela visita, vê se aparece mais!
Ana, ô, se o mundo dá voltas! E eu, quem diria... bordando :)))))
Beijões
Helena
Eu acho tão bacana essa herança de família!:
De vó para mãe, de mãe para filha, de filha para neta!...
São alinhavos que unem gerações e mantém viva, dentro da gente, essa boa "serventia", que aliás, é uma palavra que andou perdendo serventia no nosso dia-a-dia, não?
Fiz uma brincadeirinha mental e tentei relembrar algumas palavras, que acabaram caindo em desuso: palavras vintage, como gosto de chamar...rsrs Renderiam um post.
Amei sua reuniãzinha de luluzinhas, ou seria: amelinhas?!
Beijos, para todas!
será que ser Amélia é tão ruim assim? Sempre me vi como uma mulher batalhadora, atarefada e muito satisfeita com tudo o que faço... inclusive com as atividades tidas como "domésticas". O que vale é a satisfação e o orgulho por saber fazer e saber ensinar... e é assim que me mantenho de "serventia"- fazendo e passando adiante o que aprendi!
É sempre muito prazeroso receber jovens artistas interessadas pela arte do bordado. E você, Helena querida, é responsável por mostrar este mundo de possibilidades criadoras para a tua filha. Orgulhe-se disso! Eu me orgulho do que faço também!
Beijos calorosos a vocês
DaAna
www.flickr.com/bordadosdaana
Adorei este adjetivo. E vou me incluir nele. Obrigada por compartilhar esta sua experiência tão poética. Você é uma linda mulher de serventia, eu acrescento.
Beijos,
Eneida
Helena, acredito que é nessa serventia que bordamos um círculo e delimitamos nossos espaços sagrados, ancestrais, semeando beleza nas mãozinhas que esboçam pontos e firmam o feminino genuíno na alma das meninas. Tantas carecem disso... Beijo, querida!
Meninas, fico feliz que vcs tenham gostado da história da serventia. Acho que meu aluno não imaginava o sucesso que a observação dele ia fazer rsrsrs
Mil beijos
Helena
PS: ah, leiam o livro!
Oi Helena!
Adorei o post e fiquei doida pelo livro!
Já lí um livro da Marjane e é lindo ela consegue passar poesia com poucos traços e desenhos simples!
Vou procurar esse livro agora!
beijo, valeu a dica!
Ana
Oi, Ana T., é o livro Persépolis? Ainda está na minha lista... sei que foi o livro que impulsionou a carreira da Marjane e virou desenho animado.
Obrigada pela visita!
Helena
Oi Helena!
Foi Persópolis sim!
Você vai adorar, a gente aprende tanto,ela é tem um humor incrível!
Já pedí meu livro :D
beijinho,
Ana
Ana, depois me conta, então... tive de me esforçar para não ler o livro de uma sentada só. É divertidíssimo... o humor da Marjane é daquele tipo inteligente.
Beijos
Helena
que delicia de pontinhos e gosto de ser uma pessoa de serventia!
Bjkas
oi Helena- ah então eu sou uma de "serventia" me enquadrei , faço trezentas coisas ao mesmo tempo, e se ficar parada é porque estou bordando, crocheteando... adoro
adorei ver a pequena já aprendendo- foi assim que aprendi, faz bem, hoje em dia ninguem mais quer aprender, tem várias pessoas que conheço que tem orgulho em falar - ah eu não sei fazer nada disto e nem quero aprender- se soubessem o bem à alma que faz
bjs
lú
esse livro é lindo. saiu em português, né? (eu li em espanhol em 2008).
bj
Olá Helena, adorei o termo"serventia", minha mãe é essa mulher: faz de tudo, uma artista de mão cheia, pinta, borda, costura,cuida da casa(por sinal linda demais), vive em novos cursos, aprendendo novas técnicas... mas eu fugi por anos dessa"serventia", e só agora vi como é bom, gostoso, te dá prazer e me sinto mais realizada do que qualquer outra coisa... então estou querendo ser como minha mãe... tá loonge, mas devegar chego lá... já bordo(um pouco, faço crochet e quero urgente aprende a costurar...).
Parabdéns por levar sua filha pra começar descobrir este mundo encantado.
E sobre o livro, vou correndo numa livraria amanhã... adoro livros do oriente...dessas mulheres com uma vida tão diferente da nossa.
Um beijo
Telma
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