domingo, 10 de fevereiro de 2013

Elucubrações rendeiras - Olé, muié rendeira...

Na semana passada, a Helena esteve num congresso promovido pela Abralin ( Associação Brasileira de Linguística), em Natal, Rio Grande do Norte. Entre discussões acadêmicas, apresentação do trabalho, troca de ideias com os colegas de outros Estados e países (o congresso foi internacional), ela arranjou um tempinho para ir ao Centro de Turismo de Natal. Lá, ela se encantou com os trabalhos feitos em renda renascença. Quando voltou, conversamos muito sobre os trabalhos das rendeiras nordestinas, sobre as diferentes modalidades e... não tem jeito, não ... começaram as minhas elucubrações.
Para começar, fui direto à Wikipedia (salve ela) para ver o que havia a respeito de "renda". Quem me conhece sabe do meu amor pelas palavras, que, para mim, são seres vivos, cada uma com sua história (seu sangue, suor e lágrimas, como sempre digo). O que li por lá: há dois tipos principais de renda: a renda de bilros e a renda de agulha. Há outros tipos, como a renda de crochê e o frivolitê (não há verbete em português na Wikipedia), feito com uma naveta, que forma nós com a linha. A renascença é uma renda de agulha, executada a partir de um desenho riscado em papel manteiga, fixado em almofada, utilizando-se linha e lacê, que é a fita de algodão que une as tramas.

http://www.modapraler.com/2011/09/ensina-fazer-renda.html
Minha cabeça fervilha: e qual seria a origem da palavra "renda"? Meu mestre Antenor Nascentes, no seu Dicionário Etimológico, diz que se trata de uma palavra aparentada do espanhol e do catalão, de origem incerta, talvez celta - acredito nele.
E renascença? Por que esse nome? Li, neste site do Governo de Pernambuco, que o maior produtor de renda renascença no Brasil é o município de Poção: "Poção é o maior produtor de renda renascença do Brasil. A renda é exportada para diversos estados brasileiros e exportadas para sete países da América, Europa e Ásia". 

http://www.pocao.pe.gov.br/

Site original: clicar na foto
Renascença e Pernambuco, mais os outros Estados nordestinos = ? 
Bom, vamos elucubrar ainda mais. Embora não se possa precisar a época, nem local de origem da invenção da renda, os pesquisadores concordam que a técnica tenha surgido no final do século XV ou começo do século XVI como uma forma de quebrar a monotonia do bordado, sendo a matéria de confecção somente a linha, que, trançada de diversas maneiras, formariam o tecido. Séculos XV e XVI = Renascença ou Renascimento. A Renascença é um  movimento cultural e, ao mesmo tempo, um período da História europeia, e marca o final da Idade Média e o início da Idade Moderna. É normalmente considerado como tendo começado no século XIV na Itália e no século XVI no restante da Europa (para saber mais, aqui). Teria sido Veneza, o lugar de nascimento da renda de agulhas. Há indícios de fabricação de renda, em Veneza, no ano de 1536.
A difusão desse tipo de artesanato foi rápida e extensa. Em Portugal, Espanha, França, Bélgica e outros países o uso da renda foi-se difundindo até chegar ao Brasil, pelas mãos das mulheres dos colonizadores e também das freiras que aqui chegaram e ensinavam esse bordado em colégios para senhoritas ou nos conventos. Li também que essa arte chegou ao Brasil no século XVIII. Será? Não terá sido antes? Vejam essa pintura de Maurício de Nassau  (sou fã dele). Nassau ficou no Brasil, em Pernambuco, de 1637 a 1643. 

Olha a gola!!! O quadro é de 1637, pintado por V. Mierefeld

Como tudo na vida é um devenir (como estou filosófica!), não acredito que a renda tenha surgido em Veneza, assim, do nada ... Pra mim, tem dedo árabe aí no meio. Vejo muita semelhança com os arabescos da arte islâmica:

Mosaico arabesco , em Xiraz (Wikipedia)

Voltemos ao Brasil, porque se for mais longe, minhas elucubrações se perdem pelos caminhos, tantos e diversos são eles.  De Pernambuco, a renda renascença foi se espalhando pelos outros Estados. Hoje encontramos rendeiras em todos eles. Cada ponto da renda renascença recebe um nome especial inspirado em sentimentos (amor seguro), elementos da natureza (aranha, traça) ou alimentos da região (abacaxi, cocada, xerém). Entre os mais conhecidos e mais utilizados pelas rendeiras estão: laço, sianinha, malha e amarrado.Vi que em Sergipe a renda renascença é chamada de renda irlandesa. Por que será? Fica para outra vez.
Como aqui no blog sempre citamos as fontes, além da Wikipedia e da página do Governo de Pernambuco, também consultei os seguintes blogs:
milarenda.com.br/; taperoa.com;feiraomaguas.com.br/modapraler.com.
Por último, mas muito importante e interessante,  a dissertação de mestrado de Ludmila Macedo de Nogueiro Pitta - Trabalho Manual: a técnica da renda de bilro como elemento de promoção de saúde, da Universidade do Ceará.

Ai! Será que me animo um dia a falar sobre a renda de bilros, o encaixe de bolillos galego? Tudo é possível!
(por Cecilia, em tarde altamente elucubrante)

2 comentários:

Gislene Ellery disse...

Que lindo! Sou suspeita quanto aos trabalhos de renda... Me encantam profundamente, pois fico tbm a elucubrar sobre quem fez, de onde vem, qual sua história.... E isso é sem fim! Rsrsrs
Um dia ainda aprendo bilro.... Olê mulher rendeira! ;-)

blogmarflorido@gmail.com disse...

Muito interessante o post, linguística é um tema muito interessante. Quando eu fui aluna da UnB fiz a matéria Introdução à linguística. Gostei bastante, pena que foi só uma palhinha. Rendas são infinitamente lindas!!!

beijos
Taty